por Paulo de Argollo Mendes *
Está gerando reações entre apoio e crítica a decisão do prefeito do Rio de Janeiro, Eduar-do Paes, de adotar a internação compulsória para dependentes de crack. O tema pode até ser polêmico, ainda mais que não há uma legislação específica que contemple a medida. Projeto de lei ainda tramita no Congresso, mas parece que a vida dará o empurrão a algo que é urgente. Depois de esvaziar outros expedientes para sensibilizar os usuários, restou às autoridades cariocas buscar uma ação efetiva. Trata-se apenas de acionar mais um mecanismo para alcançar tratamento médico e outros recursos terapêuticos a esses sofridos e doentes seres humanos, a maioria jovens, filhos de classes pobres a ricas.
É preciso colocar esta questão no devido lugar. Primeiro, estamos presenciando a sociedade tomar uma atitude, enquanto o legislador não toma a sua. Certamente, o prefeito está atento ao clamor dos familiares e da população que assistem aos dramas e nada pode fazer, até porque não há um remédio milagroso. Assumir a responsabilidade para si e oferecer hospitais e outras unidades para tratamento desses pacientes garantindo médicos e demais profissionais (que saberão como conduzir os cuidados caso a caso) são obrigações dos gestores públicos da saúde em todas as esferas. Paes dá o exemplo e provoca seus colegas gestores, como os do Rio Grande do Sul.
Depois de mostrar as razões universais que justificam e tornam adequada a internação compulsória, é preciso limpar este terreno de interferências ideológicas e que não têm relação com saúde. A guerra lançada pelo Movimento Antimanicomial no Brasil contra instituições especializadas em tratar portadores de doenças mentais e dependentes químicos só teve dois efeitos até hoje: dizimar a oferta de leitos públicos e jogar doentes à própria sorte, nas ruas, debaixo de pontes. A maioria já morreu, outros estão definhando aos nossos olhos [grifo nosso].
Quem erigir a tese de que a medida do prefeito carioca corre risco de assumir contorno higienista deveria observar sua cidade, ouvir mães que acorrentam seus filhos e até mergulhar em presídios. Acabará por flagrar uma nova geração de preconceito e segregação a doentes. Não se pode usar, com interesse suspeito, o cenário do passado, quando hospícios eram depósitos de doentes rejeitados por famílias ou pela moralidade social, até porque eram escassos os recursos terapêuticos para enfrentar a enfermidade. Mais: epidemias de crack não estavam em cena.
Portanto, não se pode imaginar que profissionais de saúde – médicos psiquiatras, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e todos os envolvidos – terão condutas diferentes do que já se verifica hoje em instituições equipadas em cuidar dos pacientes. Uma sociedade democrática como a nossa também não permitiria arbitrariedades, violências. A droga impede o indivíduo de tomar decisões racionais. Compare-se a um bêbado, flagrado em uma blitz da Operação Balada Segura, que acredita estar sóbrio para continuar dirigindo. É preciso impedir à força, com autoridade e prender se for necessário, para proteger a vida dessa pessoa e de outras, até que ela volte a ter condições de raciocinar, mesmo que isso fira temporariamente a liberdade individual.
*Médico e presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers)
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