NOS CONFINS DO BRASIL
Carta na rede social alerta para conflito esquecido
Há uma década, índios e fazendeiros disputam terras em Mato Grosso do Sul
Uma ameaça de suicídio coletivo tornou conhecido no mundo um conflito agrário esquecido em um dos rincões do Brasil. Em carta divulgada pelas redes sociais,170 índios guaranis kaiowá teriam prometido se matar caso fossem despejados de um pedaço de terra que invadiram na Fazenda Cambará, em Iguatemi, pequena cidade pecuarista no Mato Grosso do Sul.
Embora os autores do documento tenham explicado ontem que houve erro de interpretação e que a intenção é resistir a uma ação de despejo, a repercussão do caso só aumentou. O pano de fundo do conflito é uma outra disputa por terra travada nos anos 1970 nos Estados do Sul, principalmente no Rio Grande do Sul. Na época, para aliviar pressão social, a União, por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), levou centenas de famílias de agricultores para povoar o Centro-Oeste. Tribos que viviam na região foram desalojadas.
A Constituição Federal de 1988 garantiu a retomada dessas terras pelos indígenas. Desde então, articulados por ONGs, os indígenas envolveram-se em conflitos agrários com os donos de fazendas que estariam em terras que lhes pertenciam. Uma parte da Cambará, uma área de 762 hectares de gaúcho Osmar Luís Bonamigo, é reivindicada pelos guaranis. Ontem, o advogado dele, Armando Albuquerque, em Campo Grande (MS), disse que provou na Justiça o direito do cliente sobre as terras, que teve uma pequena fatia (em torno de um hectare) invadida pelos guaranis kaiowás.
Há duas semanas, a Justiça Federal, em Naviraí (MS), concedeu liminar determinado a reintegração de posse. O prazo para o cumprimento da ordem é de 30 dias, e os oficiais de Justiça ainda têm duas semanas para cumprir o mandado. Em caso de descumprimento, a Fundação Nacional do Índio (Funai) deverá pagar multa diária de R$ 500. Os advogados da Funai entraram com recurso contra a reintegração de posse no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3).
Independentemente do resultado, o episódio circula pelo mundo. A visibilidade tem a ver com um surto de suicídio entre guaranis que reivindicavam a devolução de terras nos anos 90.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ONG ligada à Igreja Católica, divulgou nota alertando que a carta foi mal interpretada. Na verdade, os índios prometeram resistir “até a morte” ao despejo, e não se suicidar.
Trechos do documento
- Nós (50 homens, 50 mulheres e 70 crianças) comunidades Guarani-Kaiowá originárias de tekoha Pyelito kue/Mbrakay, viemos através desta carta apresentar a nossa situação histórica e decisão definitiva diante da ordem de despacho expressado pela Justiça Federal de Navirai-MS, conforme o processo nº 0000032-87.2012.4.03.6006, do dia 29 de setembro de 2012. Recebemos a informação de que nossa comunidade logo será atacada, violentada e expulsa da margem do rio pela própria Justiça Federal, de Navirai-MS (...)
- Pedimos, de uma vez por todas, para decretar a nossa dizimação e extinção total, além de enviar vários tratores para cavar um grande buraco para jogar e enterrar os nossos corpos. Esse é nosso pedido aos juízes federais. Já aguardamos esta decisão da Justiça Federal. Decretem a nossa morte coletiva Guarani e Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay e enterrem-nos aqui. Visto que decidimos integralmente a não sairmos daqui com vida e nem mortos (...)
Fonte: WAGNER, Carlos. Carta na rede social alerta para conflito
esquecido. Geral. Zero Hora. Porto
Alegre, 26 out. 2012, p. 47. Disponível em: clicrbs.com.br/zerohora. Acesso em: 26 out. 2012.
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