Expressa em mitos como o de Adão e Eva e no livro O Banquete, de Platão, a culpabilidade original do ser humano motivou a tese de doutorado do professor do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Jorge Antônio Torres Machado. O trabalho discute elementos da essência do homem, como ser finito, vulnerável, que não consegue a completude e lida com a morte. Atualmente, com o excesso de informações, o autor acredita que há necessidade de unidade quanto à compreensão do sentido da existência, demonstrando a importância da Filosofia. "As pessoas estão voltando-se mais para si", constata. Quem tem menor bagagem cultural fica atraído por livros de auto-ajuda e seitas religiosas. Mas os que estão mais informados reconhecem que é preciso aprofundar essas questões. Para Machado, é necessário abandonar uma visão simplista de tentar explicar o sentido do humano somente pela ciência ou pela teologia. Acredita que a antropologia filosófica é uma das formas de compreender a existência. O professor se baseia num dos mais importantes filósofos do século 20, o alemão Martin Heidegger, para quem o homem e a mulher não podem ser vistos como produtos naturais ou simples criações de uma divindade. "Devem ser criticadas posições reducionistas que tratam o ser humano como um produto químico-físico", diz Machado. Critica, por exemplo, a crença de que é possível retirar a angústia com o uso de antidepressivos e outros remédios. Pondera que houve avanços com a medicação, mas esse sentimento faz parte da essência humana. Antes do século 20 estava em vigor um modelo com ênfase nas ciências naturais. Heidegger tenta buscar novos conceitos denominando-os de existenciais. Propõe, com uma ferramenta fenomenológica chamada de indícios formais, encontrar elementos antropológicos fundamentais, como a impossibilidade de a idéia de Deus ser concebida como ente objetivo, mas deve ser entendida pelo acontecer do próprio homem que se preocupa com o seu existir finito. Na obra Ser e tempo, de 1927, Heidegger elabora a teoria do ser, partindo da análise do que denomina de Dasein. Esta expressão alemã significa "ser-aí", ou seja, o homem como "ser-nomundo". O filósofo afirma no livro que o homem é lançado no mundo de maneira passiva e pode ter a iniciativa de descobrir o sentido da existência, o que se chama transcendência. Assim supera a facticidade (própria da condição humana, em que cada homem se encontra sempre comprometido com uma situação não escolhida de estar no mundo) e atinge o estágio de uma apropriação da existência de seu Dasein. Heidegger nega a concepção grega de essencialidade do ser, afirmando que não passa de um dogmatismo. Discorda ainda da teoria clássica da lógica de que o ser é o mais universal e vazio de todos os conceitos. Para o filósofo, a pergunta deve ser respondida por esse ser finito que é o Dasein. A morte pertence à estrutura fundamental do homem. Não é importante enquanto fato objetivo, mas enquanto consciência de sua iminência. Só o homem na natureza tem essa compreensão da impossibilidade de todas as possibilidades. Com a morte, o homem conquista a totalidade da sua vida. É a extrema possibilidade que limita e determina a totalidade do ser. A tese de Machado parte do princípio de que essas idéias de Heidegger podem ainda ser utilizadas para mostrar a característica pré-teórica de uma culpa original do Dasein. Todas as demais ciências que trabalham com a culpa, como a ética, o direito e a psicologia, têm uma dívida consciente ou inconsciente com esse elemento antropológico. O professor expõe a psicanálise como uma possível fonte capaz de fornecer caminhos dessa condição. O conceito existencial de culpa pode corrigir interpretações das ciências positivas e de uma filosofia do tipo absolutista e universal. A tese será publicada em forma de livro pela Edipucrs. (PUCRS, Informação. Poto Alegre. Nº 126, Setembro-Outubro/2005) |