No dia 15 de setembro de 2005, na sala 401, do prédio 5, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, ocorreu a palestra intitulada “A Ética em Levinas”. A palestra foi ministrada pelo professor Pergentino Stefano Pivatto. O que segue é o resumo, ou ainda, o que este autor conseguiu captar da conferencia.
A palestra versou sobre o pensamento Ético do Filósofo Emanuel Levinas (1906 – 1995).
Pivatto “abriu” a palestrada dizendo que já no ano de 1972 pesquisava Levinas. Em 1977, o palestrante voltou à Europa para terminar seu doutorado, sua tese, visto que havia conseguido uma bolsa de estudos. Pergentino comenta que Emanuel Levinas lhe interessou porque “trabalha” a questão da inter-relação entre as pessoas. Pivatto, que é especialista em Antropologia Filosófica, comenta que seus estudos de Levinas, praticamente inéditos, levaram a criação do Centro de Estudos levinasianos que tem sua sede na PUCRS. Emanuel Levinas era lituano. Judeu praticante. Sua família migrou para Ucrânia. Lá v iveu a re volução de 1917. Voltou para a Lituânia depois desse período. Em sua obra podemos perceber nitidamente a influência de alguns escritores russos, como Tolstoi, Dostoievski, entre outros. Levinas viajou para a França e lá descobriu Husserl, conheceu pessoalmente Heidgger. Tais filósofos, também influenciariam sua obra. Levinas “serviu” na guerra como tradutor do alemão e do russo. Numa das batalhas foi preso pelo exército nazista. Porém os alemães não o mataram. Após o cárcere reencontrou sua esposa e filha que também haviam sobrevivido, graças a grupos religiosos que as acolheram (a mulher foi salva por um grupo religioso e a filha por outro). Levinas descobriu, porém, que toda a sua família na Lituânia havia sido dizimada.
Diante de tanto sofrimento o filósofo acaba por perguntar-se: “Por que estou vivo?”, “O que fazer com a vida, agora?”.
Levinas faz uma análise do que foi a segunda grande guerra e desacredita a Razão prática ocidental, especialmente a européia. Junto com sua crítica, Levinas se pergunta: “O que fazer?”. “Qual caminho seguir?”.
Pivatto comenta que o que Levinas procura fazer é buscar “A dignidade e o sentido do ser humano.”.
Pode-se perceber, em Levinas, uma forte carga bíblica – judaica. A Tora e os profetas. Levinas tem em seu desenvolvimento intelectual as dimensões:
filosófica, literária (em seus artigos) e “midras”, comentários ao Talmud (espécie de fusão entre o texto rabínico e a Tora. Método hermenêutico e filosófico).
Levinas acreditava que uma (re) novação social seria possível através de uma leitura moderna da Bíblia, ou ainda do judaísmo. O método utilizado por Levinas é o fenomenológico. Em certos pontos o autor vai além, permanecendo, porém: fenomenológico (devido a influência de Husserl) . Alguns críticos dizem que Levinas não é um filósofo. Mas, o próprio Levinas, sempre considerou a si mesmo como um.
A critica de Levinas é feita contra a Moral / Razão, que segundo Pivatto, esquematizada, Apresenta-se assim:
Levinas crítica e "funde" essas quatro vertentes clássicas que “formam” a Moral / Razão. Porém, coloca na Moral e na Razão ao invés do SER, o BEM. Para Levinas o modelo europeu está obsoleto, ultrapassado. Esse é o aspecto negativo em Levinas. O aspecto positivo é que tudo isso pode ser transformado se nos pusermos à “Escuta”. A “Escuta” do que? A “Escuta” do “Outro”. Em Levinas essa “Escuta”, que já se achava de certo modo em Heidgger, é a “Escuta” do “Outro”. Com isso passa-se a busca do sentido do "Outro". Essa busca do "Outro" não pode ser analisada a partir de uma totalidade. Isso é uma crítica que Levinas faz a Hegel. Para Levinas, se o “Outro” for analisado a partir de uma totalidade, haverá uma anulação do “Outro”. Nesse tipo de análise, é como se ele (o “Outro”) fosse parte de um todo, e, se é parte de um todo é apenas uma parte, não é um “mistério” (“mistério”: termo que Levinas abandona nas etapas finais de seus escritos). Para Levinas, numa análise assim, acabariamos por perdermos a dimensão do "Outro" mesmo, ele ("Outro") a partir de si mesmo.
Para Levinas o "Outro", o Ser Humano deve ser respeitado em sua totalidade, em sua dimensão mais ampla. "É o respeito ao outro a partir dele mesmo". Segundo Pivatto, Levinas é responsável por um pensamento muito importante para a atualidade e para a Filosofia que é o da “faticidade da alteridade do outro.”: “A Faticidade do Outro”.
Pivatto coloca que Levinas usava a seguinte imagem: O Eu é separado do "Outro" por um abismo. Porém deve-se construir uma ponte, para a comunicação. Cabe ressaltar que essa ponte que se constrói, não se constrói porque se busca o complemento no "Outro", ou porque se busca uma troca, não. O que se busca é apenas o diálogo. Não levamos, trazemos ou trocamos; apenas dialogamos.
Em seu livro “Total do Infinito”, Levinas se pergunta e desafia com a seguinte questão: “Não estamos nos iludindo com a Moral?”. “Como deve ser entendida a Razão?”. “Como devemos entender a Liberdade?”. Levinas questionava se realmente devemos entender a razão como Kant a entendia. Questiona-se se deveríamos entender a Liberdade como a Revolução Francesa a entendia. Para Levinas havia um problema, na medida em que se verificava "um divórcio, entre a Política e a Moral". Levinas verificava que "a Moral era para o indivíduo e a Política para a sociedade". Em Levinas encontramos a célebre frase que diz que a “Política é a arte de prever e ganhar a guerra por vários meios”. Com essas constatações e críticas Levinas chega à conclusão de que "a Moral ocidental contém em si, o germe da guerra".
Para Pivatto, Levinas não é um filósofo nato. O autor vai trocando ao longo de sua obra os termos que usa, ou melhor, os termos vão adquirindo outros sentidos ao longo de sua produção. Essa é uma das dificuldades de ler Levinas. Ele utiliza-se de termos clássicos da Filosofia, mas com um sentido diferente, novo.
Um problema filosófico que é encontrado em Levinas é a questão da Verdade e da Justiça. Se fosse perguntado a um filósofo ocidental o vem antes a Verdade ou a Justiça o que ele responderia? Para Levinas só há Liberdade amparada na / pela Verdade. Levinas critica a Liberdade, a Razão e a Subjetividade.
Dentro de seu raciocínio Levinas se pergunta: “O que é Conhecer?”. Segundo o modelo de Husserl, conhecer é a relação entre Sujeito – Objeto. Mas para Levinas Conhecer é um "nascer" com. “NASCER”. Não é um ato, mas um acontecimento. NASCER + COM, estar junto. Não é objetivar, só. Levinas vai além e diz que conhecer não é algo, mas "alguém que vem a mim" (o “Outro” que vem ao “Eu”). Para Pergentino o conceito proposto por Levinas requer a totalidade de todo o Ser, não só os sentidos: olfato, visão, paladar, audição e o tato, mas todo o Ser. O modelo de Levinas não admite idealização, representação. É o “Outro” que é acolhido em “carne e osso”. Em Levinas encontramos a expressão “Rosto”. Temos um “rosto” em nossa frente um “Outro”. O próprio Levinas se pergunta como é possível isso; acolher o “Outro”. “Como é possível acolher o Outro sem formar dele uma representação?”. Para isso, segundo Levinas, é necessário uma ruptura total com o “monismo”, o “naturalismo” e os “teísmos”. Levinas delega a Metafísica um novo sentido. Para Levinas “A Metafísica se reconstrói na relação histórica entre o EU e o OUTRO”. Há uma relação Metafísica. Uma relação e uma separação. Ao mesmo tempo em que se relacionam (o “Eu” e “Outro”) estão separados não se misturam, preservam a sua personalidade, seu "mistério". É uma relação Metafísica e transcendente. É um conceito diferente de Metafísica que se encontra em Levinas, fato pelo qual, como já foi comentado torna-se muitas vezes difícil a leitura desse autor.
Levinhas propõe um movimento do "Eu" em direção ao "Outro". O Eu todo se movimenta. Pede ajuda, ou acolhe. Nessa relação não há objetivação nem complementação (o que também seria objetivação). Para Levinas "o ser humano é capaz de ir além da Liberdade". Uma figura, imagem frequentemente encontrada em Levinas é a da “Casa Aberta” e a das “Mãos Abertas”. Sempre são considerados como elementos da relação: os pobres, a viúva, o órfão e o estrangeiro. Figuras, aliás, muito atuais e bíblicas.
Levinas, como já foi dito, é contra a Reificação = Representação. Levinas fez um a leitura diferenciada de Descartes. Mais especificamente da “3º Meditação”, que fala sobre o “Infinito”. A partir dessa leitura Levinas nos propõe um novo modelo. Segundo Descartes a “idéia” é finita e o “Infinito”, por ser infinito, pertence a Deus. A “idéia” não pode abarcar o “Infinito”. A “idéia” pode objetivar, representar, porém não o pode conhecer o “Todo”. Levinas coloca então, no lugar do “Infinito”, o “Outro”. Para Levinas da mesma forma que não podemos conhecer o “Infinito”, não podemos conhecer o “Outro”. “O Ser Humano não é um objeto”, para Levinas. Ao criticar a Razão que é falha, Levinas a destrona de seu posto para acolher o “Outro”. A Razão é ensinada pelo “Outro”, pelo infinito. Há uma espécie de propedêutica para esse estudo segundo Pivatto. Na realidade Levinas se dá o trabalho de (re) pensar o homem desde o início. Todo o homem novamente. Seu raciocínio é transpassado pela Ética. Ele não parte do nada por si só, mas parte do “Há”! Não há "ente" para Levinas, só o verbo, só o “Há”...
E o que há no íntimo do homem é a plenificação, o “gozo” dos sentidos: A Sensibilidade. Para Levinas "a Felicidade é o próprio existir", a própria forma de existir é a Felicidade. Nesse ponto encontramos outra frase que resume bem o pensamento de Levinas: “O homem que come é o homem mais justo de todos.”. Levinas coloca que quando, ou enquanto isso não acontecer totalmente haverá injustiça... Em Levinas, então encontramos uma dimensão material, também.
Referente ao Psiquismo, Levinas coloca que este parte de si mesmo. É uma expressão "que vem de dentro para fora". "O homem e o meio estão visceralmente casados", por isso deve haver harmonia.
Um ponto bastante interessante em Levinas é o que tange ao "Ateísmo". O filósofo usa esse termo com um novo sentido. Para Levinas o homem que vem é ateu. Ou seja, o "ser que surge", inconsciente, não sabe de Deus, nem sabe do "Outro". Procura, assim somente sua auto – afirmação e sua auto – satisfação. Para Levinas a “o corpo precede a consciência”. A consciência necessita do corpo para se encarnar. Esta é, para Levinas, uma condição de possibilidade: A consciência depende do corpo físico. Outro ponto interessante na obra de Levinas é a Economia. A Economia surge com a utilização, com "o uso da mão". A mão utiliza-se dos objetos, querendo com isso satisfazer os sentidos, o “gozo”. Para Levinas a "Teoria" surge a partir do psiquismo, quando esse encontra uma “insuficiência na ação”. Quando as coisas não se resolvem com o uso da Economia, da mão, do corpo, surge, então a teoria. A “prática falha”, ou que falha ocasiona uma “desconfiança de si” e sugere uma “auto – afirmação” para reforçar a própria “autonomia”. É aqui que surge uma nova crítica de Levinas a Filosofia e ao pensamento ocidental. A “insuficiência dos atos” nem sempre foi analisada, já a “auto – afirmação”, a autonomia humana sempre foi tida como mais importante.
Nesse ponto Levina se pergunta: “Seria possível criticar a Liberdade ocidental sem que com isso cause “escândalo” ou se pense que seria um retorno a barbárie?”. Levinas coloca que apesar da Liberdade que é tão “endeusada” há um “mal do ser”. Esse “mal do ser”, consiste na "solidão da Razão". Não existe a alteridade, o “Outro”. Não há mais ninguém além de “mim mesmo”. Esse é o problema da atualidade: O individualismo ao invés da individualidade.
Levinas coloca que o ser humano possui “Desejo”. “Desejo” para Levinas “É uma fome insaciável”. É justamente esse “Desejo” que pode servir de ponte entre o “Eu” e o “Outro”. O “Desejo” é como que a ponte capas de levar / acolher o outro “Rosto”.
Como Levinas responde a pergunta “Por que o homem existe?”.
Levinas respondi que “O ser humano é aquele que surge, existe porque 'Outro' alguém chamou...”.
“Quem chama?”. Não há resposta. É uma pergunta para a qual o filósofo não oforece resposta...
"O que há é a BONDADE.".
Segundo Pivatto o “Filósofo é filósofo quando sabe elaborar perguntas”, nesse ponto Levinas é alguém que formula muitas perguntas: “O que é ser humano?”, é uma delas.
Encerrando a palestra, Pivatto diz que o que se retira como síntese de Levinas é que: “A questão, a pergunta surge pela responsabilidade e pelo desejo que cada ser humano carrega, e que não pode pacifica-se se não estiver totalmente instaurada.”.
FIM DA PALESTRA.
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