Talvez eu seja o último a escrever sobre isso. O que quer dizer, em outras palavras, que estou atrasado. Mas, ainda assim, é como se fosse uma obrigação minha partilhar minha opinião acerca da exposição “Arte na França 1860 - 1960: O Realismo” que terminou hoje (30 ago. 09) no MARGS.
Como era de se esperar, último dia, a fila estava bastante grande. Porém, rápida. Peguei o último lugar da fila (que fazia uma curva e ia da frente do MARGS até a Rua dos Andradas), e, em 20min. já estava dentro do museu. Ainda durante a fila, as pessoas que estavam atrás de mim foram abordadas por um garoto de rua que perguntou: “Para que era aquela fila”. Ao ter a resposta: “É para o museu.”, o menino se mandou! Neste momento as pessoas que prestaram a informação começaram a debochar dizendo que se a fila fosse para a “cesta básica”, a criança teria ficado nela! Pensei comigo mesmo que isso era muito natural: em um país de famintos, a arte fica em segundo plano. Fiquei um pouco incomodado, também, com a brincadeira de tais pessoas que, imediatamente passaram a falar sobre o dólar e sobre quanto haviam pagado por um perfume nos states. Minutos depois, ao casal da minha frente, dois jovens fizeram a mesma pergunta: “Para que esta fila!?”... Isso mostra duas coisas, no mínimo: i) realmente nosso povo não se informa – e isso é compreensível, pois, há uma série de outras coisas com o que se preocupar. ii) Por mais que a divulgação de uma exposição como seja bem feita, ela nunca chegará aos ouvidos de todos.
Ainda esperando para entrar, deparei-me com outra arte. Desta vez uma arte de rua, uma arte que pode ser chamada de arte popular, mais vulgar, portanto, diriam os críticos de arte tradicionais... Pensei naquele momento: uma fila enorme para ver Manet, Monet, Renoir, Picasso e outros, e, naquele momento, um trabalhador anônimo, em sua tenda, esculpia, com sua talhadeira, a madeira que iria se transformar numa cabocla! Ninguém reparava nele, era pobre, e, segundo muitos, sua arte, vulgar...
Já dentro do museu e as pessoas insistiam em ficar em fila. Não fiz isso, vão me perdoar. Para ver arte devemos estar soltos e não podemos nos preocupar em olhar rápido...
As obras que mais me chamaram a atenção foram:
- Imigrante Lituano (1930), de Paulo Rossi Osir (Óleo sobre tela: 60x72cm) – um jovem adolescente cego de um olho. Muito pobre (como as pessoas que vira lá fora). Tão pobre que, ao seu lado, jazia somente um copo d’água.
- Retrato de Inah Prudente de Morais (1936), de Cândido Portinari (Óleo sobre tela) – uma senhora de ricos cabelos negros, olhos vivos e porte elegante.
- Gaúcho (1955), de Aldo Locatelli (1955) (Óleo sobre tela) – o rosto de um gaúcho bastante vincado e marcado pelas lidas do campo, mas que, mesmo assim (ou, por isso mesmo), não perdia a imponência.
- Revelações (Revelations) (2006), de Damien Derroubaix (Aquarela, tinta e xilogravura/ papel). Obs.: pessoalmente achei muito feio. Mas está aqui toda a crítica que o quadro traz – ele é uma crítica, na verdade: nosso mundo é feio. Vem perdendo cada vez mais a beleza lírica e as cores vibrantes... No mundo atual, só a fumaça cinzenta e espessa dos canos de descarga ficam... A escuridão das almas deprimidas, e, o gosto sádico e masoquista de uma cultura Dark é que imperam... Assim, o quadro traz as insígnias do nazismo, corpos mutilados, sangue, crânios de animais e de humanos, e, ao centro, ao invés de Cristo (com uma coroa de espinhos), o corpo seminu de uma mulher (com a máscara do Hannibal Lecter – o célebre serial killer do filme “O Silêncio dos Inocentes”). Essa obra me tocou muito (ainda que negativamente) porque haviam, ainda, fachos de luz (representados pela pintura) que “iluminavam” os aspectos mais horrendos do quadro com uma luz negra. Isso me lembrou as aulas de filosofia com o prof. Dr. Ricardo Timm de Souza, e a crítica que este faz de nossa época: “A luznão é luz...”, “A luz não ilumina...”, “Há luzes negras...”, “Aquilo que te deixa ver é, na verdade, para cegar, tapar e deixar na escuridão...”... Neste ponto e sobre este aspecto crítico: grande obra!
- Jovem com espelho (2008), de Henri Barande (Acrílico/ Madeira/ tela/ inox: 215x465cm) – uma tela negra – surreal – com um casaco que ao mesmo tempo é um seio. Trata-se da forma como o jovem se vê no espelho, também: para a mídia, e, por extensão, para a maioria de nossos jovens, o que importa ao se ver no espelho é a roupa e o corpo. Não há conteúdo, nesse sentido.
Bom, no final, ao sair do MARGS Ficou a sensação de que valeu a pena contemplar as obras que lá estiveram durante esses meses. Só com uma coisa me incomodei: o quilo de alimento que lá ficou – o chamado ingresso solidário – certamente irá para pessoas que dele necessitam. Conclui-se, então, que, em nosso país, o assistencialismo está sendo confundido com a verdadeira “assistência social”, que perpassa pela educação, a cultura, o emprego (trabalho), a saúde, e, certamente, a arte.
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