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O Conceito de "Lawfare" |
Por Donarte Nunes dos Santos Júnior
Diga-se, antes de mais, que "Lawfare" ou "Hybrid
Lawfare" (termo que poderia ser traduzido por "Guerra Jurídica")
é algo mais ou menos recente.
"Lawfare" é, na verdade, em Geopolítica, a paulatina
substituição, alteração, transformação, adaptação, ou coisa que o valha, da "Unrestricted Warfare" ("Guerra Irrestrita" ou "Guerra Além dos Limites"), dos coronéis chineses Qiao Liang e Wang Xiangsui, em "Hybrid Warfare", analisada por tantos geógrafos (Robert R. Tomes), historiadores (Williamson Murray) e militares (Maj. Tim McCulloh), que culmina em "Hybrid Lawfare".
Segundo as historiadores Camila Vollenweider e Silvina Romano, a "Lawfare" caracteriza-se pelo:
“uso
indevido de instrumentos jurídicos para fins de perseguição política,
destruição da imagem pública e desqualificação de um adversário político.
Combina ações aparentemente legais com uma ampla cobertura de imprensa para
pressionar o acusado e o seu entorno (inclusive parentes próximos) , de forma
que este se torne vulnerável às acusações feitas sem as devidas provas.”
Assim, vê-se que a “Lawfare” objetiva a paralisação,
inabilitação, anulação ou coisa que o valha (destruição) do alvo (o acusado),
bem como, a obtenção do “apoio popular” para isso (papel que compete à
Mídia).
Como dito acima, a "Hybrid Lawfare" é mais
ou menos recente, já tendo sido usada, e. g., na Ex-Iugoslávia. No caso desta nação
banhada pelo Mar Adriático, segundo a advogada especialista em Relações Internacionais e Direitos Humanos Gisele Ricobom, os ataques aéreos perpetrados,
em março de 1999, pela OTAN, esconderam algo:
“O pretexto humanitário omitiu interesses políticos e
econômicos dos Estados Unidos na região, seja para o complexo
industrial-militar testar as bombas DU ou para garantir a proteção dos interesses do ocidente na importante rota para
a Palestina, Iraque, Irã, o Mar Cáspio e a Transcaucásia, onde existem vastas
jazidas de petróleo que as corporações americanas desejavam explorar”
Na Síria. ("Lei deResponsabilidade dos Crimes de Guerra Sírios"),
que nada mais é do que uma “força de Lei” para notificar o Departamento de Estado
dos EUA sobre "crimes militares, crimes contra a humanidade e genocídio na
sírio, visando solicitar “ajuda” (que nem sempre é bem vinda) necessária e para a criação do Judiciário de transição, bem como, para responsabilizar
Assad pelo seu regime e ações".
No Haiti, "A responsabilidade de
proteger", de Bill Clinton, nada mais foi do que uma "Lawfare".
Nesse caso específico, a jornalista Cláudia Antunes faz a acusação de que
o Brasil, com a sua,
“Minustah, a força de paz, não tem preponderância na
articulação com o governo haitiano dos projetos de reconstrução. Seu mandato é
prover segurança, embora a "interconexão" com o desenvolvimento
socioeconômico esteja contemplada nas resoluções do CS. Frequentemente, quem
dita as regras sobre o destino da ajuda ao desenvolvimento do Haiti são os
maiores doadores, incluindo EUA, França, Canadá e os bancos multilaterais.”
Em Serra Leoa, segundo a também advogada e especialista em Relações Internacionais e Direitos Humanos, Renata Mantovani de Lima, tais tribunais "invadiram, notoriamente, a esfera jurisdicional e legislativa" do país.
No Camboja, segundo a autora supracitada, a "Câmaras de Emergência" "não mais integrava os planos" do país, mas, "Ainda assim, Estados-Membros das Nações Unidas apoiaram o prosseguimento dos esforços para a construção da justiça no Estado".
No Líbano o mesmo ocorreu com o “Tribunal
Especial”, no Kosovo, com o “Programa de Juízes e Procuradores Internacionais”, e, por fim, para que a presente publicação não fique muito longa, no
Iraque, com o “Supremo Tribunal”.
TODOS estes tribunais têm características típicas
comuns, quais sejam, a de possuir juízes "independentes" e/ ou "isentos", revestidos
de "neutralidade", que trabalham com base em regras de procedimento predefinidas
e que tomam decisões obrigatórias, segundo as Cartas Magnas (Constituições) dos Estados.
Como é possível de se perceber acima, a ONU desempenhou papel fundamental na criação da
“Lawfare”. Exemplo disso, foi o “Tribunal Internacional”, para a Ex-Jugoslávia,
já citado no presente texto, todos os casos acima vistos, e, o “tribunal” homônimo, de Ruanda.
Os tribunais de uma “Lawfare” se caracterizam ainda
por serem instituições especiais, criadas para resolver casos específicos,
dentro de um período de tempo limitado, decorrentes de condições políticas e
históricas específicas.
Como não poderia deixar de ser, a natureza de um
tribunal que integra uma “Lawfare” é ambígua em todos os casos, mas, a despeito
disso, as sentenças particulares,
nacionais, regionais e internacionais são proferidas e cumpridas, entrementes.
Outra peça que ajuda a entender o quebra-cabeça
que é este “tipo de guerra” é o “veredito”.
Ou seja, a
imagem final, por exemplo, da pessoa acusada já está montada, e é constituída
por uma peça importante, que prenuncia o fim de tudo, e que, ela mesma, já
estava pronta desde o início. Tal peça é o “veredito”, a "sentença".
Por outras palavras, as “decisões”, são
tomadas com antecedência. Já estão prontas antes mesmo de serem julgadas; e
tudo isso, repita-se, com o auxílio da Mídia, que, como já referido acima, é
outra das tantas peças que compõe o quebra-cabeça.
Sobre isso, no nível de Brasil, e, especificamente, no
caso do Ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, denunciou muito bem Geoffrey
Ronald Robertson, dizendo:
Para demonstrar isso, no nível dos Direitos Humanos e
no âmbito internacional, várias questões poderiam serem levantadas, muitíssimas.
Deixe-se aqui, sumariamente, apenas uma, escolhida aleatoriamente, qual seja:
- Por que a ONU
não se ofereceu para criar “esses tribunais” no Iêmen, onde a coalizão liderada
pela Arábia Saudita, participou de assassinatos de milhares de pessoas
inocentes, incluindo mulheres e crianças?
No nível, por assim dizer, da Justiça e no âmbito
nacional propriamente dito, em virtude da pertinência do caso, poder-se-ia
questionar:
- Por que Lula foi condenado, mas VÁÁÁRIOS outros
corruptos, não?
Vê-se que o pensamento que nos vem do século XVIII-XIX, do general prussiano Carl von Clausewitz (1780-1831), invertido pelo psicólogo e matemático russo, Anatol Rapoport (1911-2007), ainda vige, a saber: "a política é a continuação da guerra por outros meios".
REFERÊNCIAS
ANTUNES, Claudia. País expõe contradições de forças de paz. Mundo. Folha de São Paulo. São Paulo, 25 jan. 2010. Disponível em UOL. cesso em: 25 de jan. 2018
LIANG, Qiao; XIANGSUI, Wang. Unrestricted Warfare. Beijing: Pla Literature and Arts Publishing House, 1999
LIMA, Renata Montovani de. A Contribuição dos Tribunais Híbridos para o Desenvolvimento do Direito Internacional Penal. Belo Horizonte: PUC-MINAS, 2011.
McCULLOH, MAJ. Tim; MAJ. JOHNSON, Rick. Hybrid Warfare. Florida: The JSOU Press MacDill Air Force Base, 2013
MURRAY, Williamson; MANSOOR, Peter R.. Hybrid Warfare: Fighting Complex Opponents from the Ancient World to the Present. Cambridge: Cambridge University Press, 2012
RICOBOM, Gisele. Intervenção Humanitária: A Guerra em Nome dos Direitos Humanos. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010, p. 211
TOMES, Robert R. et al. Hybrid Warfare and Transnational Threats: Perspectives for an Era of Persistant Conflict. New York: Council for Emerging National Security Affairs, 2011
VOLLENWEIDER, Camila; ROMANO, Silvina. Lawfare. La judicialización de la política en América Latina. Santiago: Centro Estratégico Latinoamericano de Geopolítica (CELAG), 2017.
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Por SANTOS JÚNIOR, D. N. dos - quinta-feira, janeiro 25, 2018   |
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