Reflexões sobre aproximações entre "direita" e "esquerda", entre "capitalistas de risco" e "marxistas": um meio termo no Pensamento Econômico...:

A gangorra que oscila entre as “Grandes Empresas” e o “Estado”: por uma economia nem das empresas nem do Estado, mas do ser humano.

Por Donarte Nunes dos Santos Júnior


Para muitos liberais, o problema da Economia (com “e” maiúsculo, significando o Mercado em geral) é o Estado, a interferência do Estado; o Estado não deveria se meter na Economia. Trata-se de uma tese que nos alcança desde o século XVIII, vinda de Adam Smith (1723-1790).


Segundo esse modo de ver, o Estado deveria ser mínimo. Enfim, o Estado não é eficiente, as grandes empresas sim são eficientes; a livre inciativa, a iniciativa privada, as empresas particulares, livremente competindo entre si. É isso que, no ponto dos liberais, torna um Mercado sadio.


Essa discussão acerca de se o Estado deve preponderar mais nas economias modernas, ou, se, pelo contrário, devem ser as empresas particulares, remonta, pelo menos, ao século XVIII, com a “escola clássica” do pensamento econômico – Adam Smith, David Ricardo (1772-1823)Thomas RobertMalthus (1766-1834), entre outros –, passando pela crítica feita a tudo isso, elaborada pela “escola marxista” – Karl Marx (1818-1883) – e pelo sucesso, na luta contra a crise de 1929, da “escola keynesiana” – John Maynard Keynes(1883-1946) –, até chegar aos dias de hoje. 


A gangorra do debate é bastante simples, os economistas “clássicos” e “neoclássicos”, grosso modo, defendiam a não intervenção do Estado em favor de uma “mão invisível” (cf. Smith), que regularia a Economia, ou ainda e por outros termos, de um mercado que se regularia sozinho, autorregulando-se a si mesmo (com o perdão da redundância).


Marxistas e keynesianos, por motivos diferentes, defendiam a intervenção estatal; uns visando, por intermédio de uma etapa anterior, com o Estado (o Socialismo), atingir uma etapa posterior, sem o Estado (o Comunismo); outros, visando o pleno emprego, que esqueceria o Mercado, defendiam um Estado sempre presente, tendo este, como devero fornecimento do “bem-estar social”. Assim, ambos, defendiam uma regulação estatal; os primeiros com o expediente, por exemplo, de uma “econômica planificada”; os segundos, por exemplo, com a injeção de verbas por parte do Estado nos momentos de “ciclos econômicos negativos”.



Relativamente a isso, é interessante pensar a respeito das polêmicas teses de um dos representantes das gigantescas e lucrativas S/A's, que, por assim dizer, deveria pender para o discurso liberal, o bilionário estadunidense Nick Hanauer. Apesar de não ser estritamente um teórico da área, é formado em Filosofia pela Universidade de Washington, escreveu, em 2011, o livro “The Gardens of Democracy: a new americanstory of citizenship, the economy, and the role of government”, e, em diferentes ocasiões (2012 e 2014), no TED (Technology, Entertainment, Design), da fundação Sapling (EUA), que através de seus ciclos de palestras, divulga “ideias que merecem ser disseminadas”, a despeito de toda controvérsia, bem como, em outras entrevistas, teve as suas teses propaladas. 


Hanauer foi ainda o primeiro investidor não-familiar da Amazon.com, é fundador de pelo menos 30 grandes empresas, possui um banco e fez uma negociação astronômica quando vendeu à Microsoft, por 6,4 bilhões de dólares, uma de suas empresas, a aQuantive.

Ocorre que este venture capitalist se converteu em uma figura polêmica justamente porque passou a criticar, um a um, vários dos postulados smithianos, deslocando, do Estado para as grandes empresas, a responsabilidade pelo social welfare state.

Uma das primeiras proposições smithianas que Hanauer critica é a de que o Estado não é eficiente. Ele sempre rebateu este postulado, e, quando de uma seção "Q & A"espécie de entrevista coletiva, “perguntas e Respostas”, no programa Hard Talk (Conversa Dura), presidido pelo jornalista Stephen Sackur, da BBC (Londres), o estadunidense afirmou que “qualquer um que olhe claramente para como as grandes empresas gastam o seu dinheiro vai ficar igualmente chocado pela falta  de transparência, pela falta de eficiência e pela falta de efetividade”. Assim, para ele, cai a tese de que o Estado não é eficiente, mas as grandes empresas o são.

Nesse sentido, Hanauer faz coro com pensamentos diametralmente opostos ao seu metier, tais como, os do geógrafo brasileiro Milton Santos (1926-2001), que, no século passado, denunciava a perversidade do capitalismo, dizendo que as grandes empresas não poderiam mesmo querer cuidar do bem-estar social, visto que só almejavam o lucro e tão somente o lucro. Para Hanauer, é justamente esse o problema. Nesse tipo de capitalismo, nos EUA de Nick e na grandessíssima maioria do planeta, somente uma pequeníssima minoria das pessoas enriquece, os donos das grandes empresas.


Nick defende que é necessária uma mudança de mentalidade por parte da classe empresarial, e que, coletivamente, o capitalismo deve ser reinventado. O nova-iorquino aponta que as empresas podem e devem pensar no bem-estar social em conjunto com o Estado.


Para tanto, Hanauer cita, como exemplo, seu compatriota, Henry Ford (1863-1947), que, no século XX, investiu em seus empregados, pagando salários maiores do que os praticados na época, o que, por sua vez, permitiu a compra de automóveis por estes mesmos operários, maximizando assim os negócios da empresa, mas, ao mesmo tempo,  conferindo aos funcionários maior conforto, a realização de sonhos e a participação na nova vida urbana que emergia de modo singular na época.


Hanauer vai além, na mesma entrevista acima citada, à BBC, explicando que é extremamente necessário rever aquela ideia, também smithiana, vendida por muitas empresas aos seus funcionários, que diz que se eu avançar no meu estrito interesse próprio, você também se beneficiará, pois ela é, segundo o nova-iorquino, uma grande mentira.

Para que uma mudança seja efetivada, segundo o bilionário, um dos caminhos a ser trilhado é o de se acabar com o que ele chamou, em sua palestra ao TED, de “economia de migalhas”, até aqui desenvolvida, passar a pagar maiores salários aos trabalhadores, distribuir melhor as riquezas e repassar os lucros obtidos.


Conforme Hanauer, em entrevista ao canal de assinaturas CNBC, da NBCUniversal, 2017, soluções, tais como, as de taxar mais alto as grandes fortunas e aumentar impostos são totalmente ineficazes, pois, para os ricos, dada a grande quantidade de dinheiro com a qual lidam, isso constitui uma verdadeira piada.


Então, segundo Hanauer, se as empresas não optarem por pagar melhor os trabalhadores, o capitalismo nunca será bom e justo, o que é ruim para os próprios empresários e investidores que estão no topo.


Como colocado acima, Hanauer se tornou uma figura polêmica e até bastante criticada (e.g., conferir a 
entrevista de Nick ao experiente, severo e intransigente âncora da Fox News, Neil Cavuto), porque, ao contestar várias das teses smithianas e liberais, acabou fazendo coro com pensamentos divergentes ao ofício do mundo dos negócios, entrando em conformidade, por assim dizer, com pensamentos de teóricos da chamada “escola marxista”, tais como, por exemplo, os do geógrafo e professor da City University of Nova York, David Harvey.


Harvey é um renomado teórico na área das ciências humanas, autor de mais de 40 livros versando sobre, entre outras áreas do saber humano, pós-,modernidadepolítica e economiageografiageopolíticamarxismo, e, principalmente, sobre análises críticas ao capitalismo. Em um de seus livros, “O enigma do capital: e as crises do capitalismo”, 2011, dentre as críticas que faz ao capitalismo, David, na verdade, faz uma denuncia a uma contradição que, por sua vez, promove, segundo ele, a injustiça do sistema, qual seja: a de o capital corporativo não ser capaz de sobreviver sem subsídios do setor público.


Temos, pois, até aqui, algo bastante interessante, a saber: um bilionário nova-iorquino, que por vezes se autodenomina de “plutocrata” e um professor de humanidades, que por vezes se autodenomina de “marxista”, convergem hodiernamente em suas críticas ao status quo capitalista de uma maneira bastante harmônica; têm pensamentos que emergem identificando fendas no sistema, ainda que advenham de tradições diferentes e pontos de vista distintos.


Nessa esteira, entretanto, ambos os homens; um, homem prático, de ação e investidor de alto risco; outro, homem teórico, de análise e professor, constatam também “genialidades” no capitalismo, acabando por, neste jogo de prós e contras, propor algumas saídas, que acabam por serem muito congruentes. Senão vejamos:


Enquanto Harvey, em entrevista ao The Intercept, 2018, um periódico On-Line que se destina a “produzir jornalismo destemido e contraditório em uma ampla gama de questões”, denuncia que, no capitalismo, “uma das formas de exercer controle social é afundar aspessoas em dívidas a tal ponto que elas não possam sequer imaginar um futuroque não seja viver para poder pagar sua dívida”; Hanauer, em sua conferência no TED, 2014, diz que o  “capitalismo deve buscar soluções para os problemas humanos, investindo na Classe Média”, como já foi dito, “pagando melhores salários”, para que a situação acima, constatada por Harvey, não se instaure.


Nick pensa que o capitalismo é a melhor tecnologia social já inventada. Admite que em tal sistema “um pouco de desigualdade é necessária para uma democracia capitalista eficiente”. Entretanto, constata uma problemática: a de que a exclusão e a desigualdade estão batendo recordes.


Harvey, de sua parte, admite que o capitalismo nem sempre é ruim. Mas, lembra que, do modo como o sistema se resolve a si mesmo, só 1% dos mais ricos é que se beneficiam.


Nas mesmas preleções citadas acima, no TED, Hanauer já previa que os EUA, e boa parte do planeta, transformar-se-iam em uma “sociedade rentista neofeudal”, como a da França, no século XVIII, visto que, “se o padrão se mantivesse, 1% dos mais ricos teriam mais de 30% da riqueza nacional dos EUA, enquanto os 50% dos americanos mais pobres deteriam somente 6%”. Hoje, os dados são de 2017 e foram publicados no documento “An Economy For The 99%: it’s time to build a human economy that benefits everyone, not just the privileged few”, já se sabe que a situação é muito pior do que a prevista por Hanauer. O documento da agência de políticas de desenvolvimento, da organização Oxfam, que atua em mais de 100 países, assessorada por analistas do MIT, aponta que 1% da humanidade detém mais da metade de toda a riqueza da Terra. E piora ainda mais: ao se tomar uma fatia maior, constata-se que 20% dos mais ricos possuem 94,5% de toda a riqueza do planeta, enquanto resta somente 5,5% do dinheiro para 80% dos seres humanos restantes.


Ainda por ocasião de suas exposições junto ao TED, Hanauer afirmou que, diante destes números, “se não fizermos alguma coisa para consertar as gritantes desigualdades econômicas da sociedade, os excluídos virão atrás de nós”. Ele estava, na verdade, fazendo um apelo aos colegas a amigos dele, os, segundo ele mesmo, “‘plutocratas’ bilionários”.


Diante deste cenário, Harvey, na mesma entrevista acima citada, faz uma análise um pouco distinta, fala em “alienação”. Segundo o britânico, há uma população cada vez mais alienada. Alienada de tudo, da política, da economia, do processo de trabalho... Segundo ele, não há mais muitos trabalhos com propósito e significado para as pessoas. Deste modo, o teórico dá a entender que há uma enorme parcela da população que, exaurida, desanimada e sem perspectivas, está acomodada, incapaz de lutar por uma mudança, tal qual a aventada por Hanauer, anteriormente.




Harvey, de sua parte, em outra entrevista, desta vez ao programa programa Milênio, da GloboNews, 2011, analisa que que o mundo não consegue lidar com uma Economia estática. Mas, segundo ele, conseguiria lidar com um Mercado menos voraz. O britânico, faz uma distinção entre o “desenvolvimento humano” e o “crescimento econômico”. Segundo esse modo de ver, desenvolvemo-nos como seres humanos, aprimoramos nossas capacidades e nosso poder de várias maneiras, mas não precisamos, necessariamente, de um crescimento no sentido capitalista, sempre exponencial, ao estilo “curva S”, de modo recursivo e infinito. Assim, Harvey propõe que o capitalismo imponha a si mesmo o que ele batiza de “Economia de Crescimento Zero”.


Na mesma mesma entrevista, citando um filósofo compatriota, o matemático Alfred North Whitehead (1861-1947), o geógrafo britânico, tematiza: “A natureza tem relação com a busca pela novidade”. Para o professor, trata-se de uma ideia interessante, pois todos somos parte da natureza, e, portanto, temos relação estreita com esta busca pela novidade. Mas, para ele, pautar um Mercado por uma “Economia de Crescimento Zero” não significa dizer que nada deve mudar, mas que o “crescimento econômico” deve ser preterido em favor do “desenvolvimento humano”, visto que este último pode tomar vários tipos de caminhos extraordinários sem, com isso, dizer que, necessariamente, a única maneira de se alcançar avanços seja a de um crescimento composto, por exemplo, de 3% para sempre.


Nesse sentido, por diversas vezes e em diferentes ocasiões, seja em entrevistas, seja em seus escritos, tanto o investidor bilionário, quanto o professor marxista tiveram de responder a perguntas semelhantes, a saber: “como tais mudanças seriam possíveis, visto que, hoje em dia, as pessoas só pensam nelas mesmas (sobretudo os ‘zilionários sociopatas borderline’ colegas de Hanauer , os que compõem o grupo dos 1% dos ‘plutocratas’)?”.


Hanauer, invariavelmente, responde que, apesar de existirem muitas pessoas egoístas, a boa notícia é que a maior parte das pessoas colocam os outros em primeiro lugar e não a si mesmas, e completa: “a função das democracias é a de maximizar a inclusão do povo para gerar prosperidade”. Ele admite que, com suas ideias, pode parecer um “bom samaritano liberal”. Mas, diz que não se trata disso. Segundo ele, não é o caso de se estar usando um argumento moral que coloca que a desigualdade econômica é errada. Mas, por outro lado, de se estar usando o argumentando de que a desigualdade crescente é, nas palavras dele, “burra e autodestrutiva”.


Harvey, constantemente, responde analisando que verdadeiramente o mundo não está preparado para uma sociedade sem transformações na natureza humana. E esse foi justamente um dos problemas comas expectativas passadas em relação ao Socialismo. Ou seja, não havia precisamente a liberdade para se buscar a novidade. Para ele, precisamos construir uma sociedade que seja capaz de buscar a novidade, fazer todos os tipos de coisas interessantes. Mas sem, necessariamente, estarmos comprometidos com um crescimento de 3% para sempre. O inglês admite que isso parece, na palavras dele, “utópico”, mas, segundo ele: este é o coração, o cerne de sua visão.


Assim, Hanauer e Harvey concordam que um “novo capitalismo” deve emergir. Aquele propõe a chamada “economia de classe média”, onde o investimento na “classe média” ganhe novo vigor, e, para que se aqueça o Mercado, a “economia de migalhas” tenha fim; este, sugere a chamada “economia de crescimento zero”, onde a ideia de crescimento extraordinário indefinido seja abandonada.  


Vê-se que ambos os pontos de vista são, por assim dizer, utópicos. O que eles têm em comum? A ideia de que o capitalismo deve parar com este sobe e desce na gangorra que oscila entre as “grandes empresas” e o “Estado”, transformando-se por uma economia nem das empresas nem do Estado, mas do ser humano, colocando-se em uma posição de equilíbrio, tendo, ao centro e como objetivo último, o ser humano, com seus sonhos, necessidades e aspirações.
posted by Donarte N. dos Santos Jr. @ segunda-feira, março 05, 2018   0 comments


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Algumas ideias que batizaram e permeiam o presente ciberespaço; pensamentos mais ou menos fixos que o autor tem:

A Mitologia Grega...:

- “A Argo: Nave dos Argonautas, construída sob a direção de Minerva, nos bosques de Dodona. O termo significa ‘rápido.’

O Fernando Pessoa...:

- o seguinte poema do escritor português:


Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: "Navegar é preciso; viver não é preciso". Quero para mim o espírito [d]esta frase, transformada a forma para a casar como eu sou: Viver não é necessário; o que é necessário é criar. Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo. Só quero torná-la de toda a humanidade; ainda que para isso tenha de a perder como minha. Cada vez mais assim penso. Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir para a evolução da humanidade. É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça. (Fernando Pessoa)



A antipatia a Nietzsche...:

- Parece poder ser possível usar o Nietzsche contra ele mesmo: "Nietzsche vs Nietzsche", pois o que ele escreve, se bem analisado, é contraditório (no mal sentido do termo). Assim, isso é bem possível de ser feito...

A contra-argumentação aos céticos...:

- “Só se poderia negar a validez à demonstração se se provasse, com absoluta validez, que o homem nada pode provar com absoluta validez” (SANTOS, Mário Ferreira dos. Filosofia Concreta. São Paulo: É Realizações, 2009, p. 61).

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    O AUTOR

    Nome:
    Donarte N. dos Santos Junior
    Residente em:
    Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil
    Formação:
    - É Licenciado em Geografia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
    - É Especialista no Ensino de Geografia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
    - É Mestre em Educação em Ciências e Matemática (PUCRS).
    - É Mestrando em Filosofia (PUCRS).
    Atuação Profissional:
    - Foi Técnico em Geoproce ssamento do L/li/liaboratório de Tratamento de Imagem e Geoprocessamento (LTIG) da PUCRS.
    - É Professor da Prefeitura Municipal de Porto ALegre.
    Título da primeira dissertação de mestrado:
    “Geografia do espaço percebido: uma educação subjetiva”, que alcançou grau máximo obtendo nota 10,0.

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