
Hoje “temos mais conhecimento, porém menos discernimento”. Uma amiga me dizia que sempre está em dúvida quanto a escolhas. Nunca está totalmente certa de ter escolhido o melhor, o mais correto. Quem na vida nunca passou por um momento assim. Há que se fazer uma escolha, porém não se sabe qual caminho escolher. Pensamos, pensamos e não conseguimos vislumbrar, dos dois ou mais caminhos, qual o melhor para nós, qual o mais correto. Parecemos, por vezes, estranhos a nós mesmos. Percebemos que não conhecemos a nós mesmos. Lembramos, então, da famosa frase do frontispício do templo de Apolo em Delfos: “Nosce te Ipsum (Conhece-te a ti mesmo). Existem filósofos, fenomenologistas, entre eles Levinas, que escrevem que o outro é O INFINITO, não o podemos "entender" / conhecer totalmente. Mediante isso pergunto, como que afirmando: se o OUTRO é INFINITO e não podemos conhecê-lo totalmente, então eu mesmo também o sou. Sou INFINITO, portanto, não posso me conhecer, da mesma forma, totalmente.
Vejamos um escrito do século XII. Trata-se do texto elaborado por Balduíno de Ford (?- c. 1190), monge e abade cisterciense:
“O Senhor conhece os pensamentos e as intenções do nosso coração. Ninguém duvida que Ele, de facto, os conhece. Mas nós só conhecemos unicamente aqueles que ele nos torna manifestos pela graça do discernimento. Porque o espírito do homem nem sempre sabe o que há nele. E mesmo quando se trata dos seus próprios pensamentos, sejam eles queridos ou não, tem deles uma ideia que nem sempre corresponde à realidade. Mesmo os que se apresentam com evidência aos olhos do espírito, ele não os discerne com precisão, tão obscurecido está o seu olhar. Com efeito, acontece frequentemente, por qualquer razão humana ou procedente do Tentador, que alguém se deixe levar pelo seu próprio pensamento para aquilo que é só aparência de piedade e que, aos olhos de Deus, não merece de maneira nenhuma a recompensa prometida à virtude. É que, de facto, algumas coisas podem apresentar o aspecto de verdadeiras virtudes, como também de vícios, e enganarem os olhos do coração. Pelas suas seduções, podem perturbar a visão da nossa inteligência ao ponto de muitas vezes lhe fazer tomar por um bem realidades que realmente são más, e inversamente, levá-la a ver um mal onde, na verdade, não existe. É este um aspecto da nossa miséria e da nossa ignorância, que precisamos muito de deplorar e grandemente temer. Quem pode verificar se os espíritos procedem de Deus a não ser que tenha recebido de Deus o discernimento dos espíritos? Este discernimento é a fonte de todas as virtudes.” |